Vamos, vamos tomar um cafezinho?

A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um "cafezinho". Para quem espera nervosamente, esse "cafezinho" é qualquer coisa infinita e torturante.

Como podemos definir o café nosso de cada dia? Um hábito. Um vício. Um aroma inesquecível que embriaga. Uma conversa. Um encontro. Um pequeno momento para reflexão…

O fato é que cada dia aparece um café diferente que atende a todos os gostos — Forte, fraco, quente, frio, amanhecido, de coador, expresso.

Na verdade,  o café nosso de cada dia é irresistível e pelo menos uma xícara dessa bebida quentinha faz parte da rotina de milhares de brasileiros, seja  em casa, no trabalho, na rua, e é uma boa pedida para quebrar qualquer rotina, principalmente quando queremos dar uma espairecida e aí usamos aquela frase simples e vaga: Saí  para tomar café.  Volto já! 

Selecionamos a crônica ”Cafezinho” de Rubem Braga que consegue mostrar de uma forma simples como o nosso hábito de tomar aquele cafezinho serve como desculpa para muitas coisas… Confira! 

CAFEZINHO – Rubem Braga

Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.

Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:
- Ele foi tomar café.

A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um "cafezinho". Para quem espera nervosamente, esse "cafezinho" é qualquer coisa infinita e torturante.

Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:
- Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.

Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:
- Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.

Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:
- Ele está?
- alguém dará o nosso recado sem endereço.

Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:
- Ele disse que ia tomar um cafezinho...

Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:
- Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí...

Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.

Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.




Fonte:
Título original: Cafezinho
Livro: O conde e o passarinho & Morro do isolamento. Rio de Janeiro,  Record, 2002.

Tags: